Martha Erika Hölsel nasceu na Alemanha em 1930, de família abastada. Com a ascensão de Hitler, seu pai foi assinado pelos nazistas por ser opositor dessa política. Imigrou com sua mãe para o Brasil aos 4 anos de idade e morou na cidade de Santo André, com os tios (cuja tia era irmã de sua mãe). Após o falecimento de sua mãe passou a morar com os tios e o primo (João José Cristovão Becker). Em 1938, toda a família voltou para a Alemanha, onde enfrentaram a guerra de 1939 a 1945. Em 1948 imigrou definitivamente para o Brasil, com os tios e o primo a quem passou a considerar seus pais e irmão. Estudou somente na Alemanha. No Brasil trabalhou no bar da família e depois foi manicure. Morou sempre em Santo André. Conta suas vivências durante a guerra, o bombardeio em Dresden, a ocupaçãso soviética, as dificuldades da imigração e seus hábitos culturais alemães no Brasil. |
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Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS)
Núcleo de Pesquisa Memórias do ABC e Laboratório Hipermídias
Depoimento de MARTHA BECKER 83 anos.
Local: Santo André, casa da depoente
Pesquisadores: Mariana Lins e Priscila Perazo
Equipe técnica: Ricardo Gonçalves de Melo Souza
Transcritores: Paulo Nunes e Izomar Lemos
Resposta:
Eu nasci em 11 de abril de 1930, em (Titasem tai tressem)
Pergunta:
Como é que chamava?
Resposta:
(Titasem tai tressem)!
Pergunta:
Na?
Resposta:
Alemanha!
Pergunta:
E, assim... Como era a sua vida na Alemanha? Quem eram seus pais, o que eles faziam? Qual era a profissão deles? Do seu pai, se sua mãe trabalhava?
Resposta:
Eu, não lembro lá muito bem. Meu pai era, acho que trabalhava na construção e era me... Metido na política, contra o regime nazista e deu zebra. Ele ficou preso. Maltrataram e morreu! A minha mãe foi a ajudado {ajudada} pela irmã, que tava aqui no Brasil e meu ma, o marido da minha, da irmã da minha mãe pagou a passagem para mim e pra minha mãe para vim da Alemanha para Brasil.
Pergunta:
A senhora é filha única?
Resposta:
É. Em 1934 eu sofri um desastre de automóvel.
Pergunta:
Ah é? Como foi? Isso eu não sabia.
Resposta:
Que... Quebrei a cabeça em dois lugar {lugares}, mas sobreviveu! {sobrevivi}
Pergunta:
Mas assim, com quem você estava no carro?
Resposta:
Ninguém! Eu desci as escadas e travessei {atravessei} a rua, com quatro anos, e o carro que vinha de cima, da rua, olhou as crianças do outro lado não viu eu, e ela passou por cima. Antigamente os carros eram mais leves. Bom! Sobreviveu!
Pergunta:
Eram muito movimentadas a cidade?
Resposta:
Não... Não, não, não! Eu tenho uma só sorte só! Só eu tenho a sorte! Que mais?
Pergunta:
Então. Mas ai cê {você} estava contando que seu pai foi perseguido pelos nazistas...
Resposta:
Ele foi machucado muito na cabeça e daqueles machucados ele faleceu. Eu me lembro, em 1934. Eu me lembro no ultimo dia que ele quis me ver, e eu tinha 4 anos minha mãe me levou no hospital, que eu lembro, que eu tenho as 4 anos depois eu não me lembro mais dele. E eu lembro do navio que a gente embarcou da Alemanha pra {para} cá. Minha mãe e eu.
Pergunta:
Cê { você} lembra o nome?
Resposta:
Do navio não me lembro mais, foi nos embarcamos em (Antuerben), (antuerben) {Antuérpia} é da Bélgica, um porto. Eu não me lembro o nome. Outro dia pensei de lembrar e não lembrei. (...) E, quando nós chegamos na viagem ele, ela costurou, fez tricô roupa pra {para} mocinho que meus pais tinham comprado pra mim num natal antes. Quando nós desembarcamos, no Rio, em Santos eu vi umas pessoas trabalhando nos cais, pretos, eu perguntei minha mãe: ‘Eles não tomam banho?’
Pergunta:
Você nunca tinha visto ninguém preto?
Resposta:
Cinco anos, né? Criança de 5 anos não presta! Ai, os parentes meus aqui, as irmãs da minha mãe, o irmão dela, dois irmãos já viviam aqui em Santo André, eles foram buscar agente eles tinham dois filhos. E a primeira encrenca foi que eles tiraram meu urso, dos meus braços, e que não queriam devolver. Foi a primeira briga aqui no Brasil. [risos]
Pergunta:
Tiraram o que do seu braço?
Resposta:
Um ursinho de pelúcia meu, que até hoje eu tenho, que meus pais verdadeiros compraram. Que mais?
Pergunta:
Então ai você veio com sua mãe, já era dona Elza que...
Resposta:
Não! Minha mãe verdadeira
Pergunta:
Sim, mas é que...
Resposta:
E eles tinham... D. Elza é minha tia que é irmã da minha mãe.
Pergunta:
E por que que os seus tios estavam aqui em Santo André nessa época?
Resposta:
Porque ele, meu tio, conheceu minha segunda mãe D. Elza em São Paulo Ele tava vendendo lingüiças, mortadela essas coisas. Não! Ele tava vendendo pão. E minha mãe com irmão dela tavam vendendo lingüiça, mortadela que eles tinham frigorífico em São Bernardo do Campo. Pequeno, mas tinham, né?
Pergunta:
A mãe Elza, melhor a gente falar mãe Elza e mãe Alma se [5,0’] não depois na hora eu vou me embaralhar [risos]
Resposta:
E aí como que foi?
Pergunta:
É, mas por que que eles tinham vindo já emigrado para o Brasil antes?
Resposta:
Meu tio, o (Cleim) que tinha um frigorífico na Vila Gilda. Ele veio em 1930, 25 porque depois da Primeira Guerra Mundial na Alemanha tava uma recessão de tudo e tudo mundo sem serviço e tudo mundo sem dinheiro e coisa tal. O meu segun, o meu tio vamo {vamos} dizer, veio também da Alemanha pro Brasil, voltou para a Alemanha visitar os parentes e tornou a voltar pra cá. Ele ficou em Santa Catarina não sei que lá e voltou pra {para} São Paulo, trabalha numa padaria, vendedor. Encontro a minha tinha, em São Paulo, e (...)
Pergunta:
A Elza?
Resposta:
A Elza, e começaram namora {namorar} e casa {casar} (...) Eu Tinha outro tio, casado com dois filhos, morando aqui em Santo André já (...) então, a gente chegou aqui em Santo André, 1935.
Pergunta:
Então, mas eu queria saber, assim, por que escolheram Santo André? Não ficar em São Paulo, por exemplo.
Resposta:
(...)
Pergunta:
A sua mãe, porque os parente já estavam aqui... Resposta:
Os meu tio, meu tio, o (Clein) ele era mais, tinham passado a primeira guerra na Alemanha, os dois tios. Tinham se salvado dela, um era meio acanhado, medroso, mas o outro não, O outro saltou do trem aqui e ficou em Santo André, em São Paulo e ai trabalhou numa fábrica de piano, acho que é, mas ele era açougueiro, ele era, trabalhava em açougue na Alemanha. Um, e o outro foi pra {para} Campi, Minas, ou pra {para} Campinas lá pra são Paulo. Só meio do caminho o outro já tirou ele do trem e deixou em Santo Andre [risos]. Família louca. Não ta {está} gravando tudo né?
Pergunta:
Tá {está}, ta {está} gravando tudo!
Resposta:
Martha! Põe a mão no uuuu! Bom! E daí?
Pergunta:
Depois não tem problema Martha, se você quiser a gente corta.
Resposta:
(...)
Pergunta:
Então ai você veio com a sua mãe e quando cê {você} chegou em Santo André, cê tem alguma...
Resposta:
A gente morava...
Pergunta:
Ficou surpresa com alguma coisa _______?
Resposta:
Com uma empregada que roubou tudo que eu tinha trazido da Alemanha de brinquedo.
Pergunta:
A empregada era brasileira? Ou era...
Resposta:
Bidu! (...)
Pergunta:
E você tinha muito brinquedo? Você trouxe muito
Resposta:
NÃO! Eu não trouxe muito, trouxe pouca coisa porque meus pais não tinha, muito “tutu”. [suspirou]
Pergunta:
A sua mãe teve que vir embora...
Resposta:
A minha mãe perdeu também a documentação, alguém passou a mão na documentação dele, dela, minha verdadeira mãe aqui no Brasil. Continua Martha!
Pergunta:
Então, a sua mãe teve que sair pra dela pra {para} ela também não ser perseguida pelos nazistas por causa do seu pai?
Resposta:
Iiiiiiii, mais ou menos. Porque, se o marido foi morto pela alguma coisa, a mulher também não fica, e meu tio era muito, era filho de camponeses, mas muito inteligente ele falou: ‘ Vamos pagar passagem pra vir pra {para} cá’. [latido de cão ao fundo] Só que aqui ela pegou tifo em 1938 e faleceu.
Pergunta:
Sua mãe, Alma.
Resposta:
Alma, Martha (...) [latido de cão ao fundo] Meu tio, que tava me criando com minha tia, deu um problema de câncer no rim, desentendimento dos parentes, dos dois cunhados no frigorífico que eles trabalhavam, iiiiiii nós, quer dizer: a minha tia, o meu tio, eu e o filho deles que tinha nascido em 1934, no Hospital Santa Catarina, (...) e o irmão da minha mãe a mulher e os dois filhos, voltamos pra {para} a Alemanha, em 1938.
Pergunta:
O seu tio (Cristofe)...
Resposta:
É!
Pergunta:
Que já tinha falecido então
Resposta:
Não, não! Ele é o segundo.
Pergunta:
Ah! ___ com câncer?
Resposta:
O Câncer operou aqui em São Paulo, ele sobreviveu. Fizeram uma transfusão de sangue de um negro, perto dele. Meu pai nunca, [10’] é... Meu tio, vamos dizer, nunca fiz diferença entre judeus, coisa e tal e tam, tam, tam. E ele sempre, no frigorífico também tinha negros trabalhando e meu pai sempre tratou muito bem. Meu tio, não é meu pai, caramba!
Pergunta:
Não pode falar a _____________, seu, seu ______
Resposta:
Seu (cristovao). Ah! Na Alemanha, ele chegou na casa da irmã, que era numa aldeia e nós ficamos um pouquinho tempo lá. E ele comprou um carro, um _______. E ele queria abrir um negócio, mas lá, minha mãe como era, minha tia, como era desenhista, aqui tinha trabalhado da Alemanha 10 anos antes de ter vindo para o Brasil, ela não arranjou serviço porque nós tinha chegado do Brasil eles achavam que era espionagem, então meu tio procurou um serviço de negócios (...) ai resolveram ir na casa da cidade de (Tristem) onde minha mãe, minha avó os irmão tinham conhecimento e tinham nascidos lá. Continua Martha, ta dando branco.
Pergunta:
Não tem problema a gente para, depois volta. Então é assim: Em 38 sua mãe morreu você ficou órfã de vez. Ai passou a ser cuidada pela dona Elza e seu (Cristofe) que eram seus tios e que agora em diante você vai chamar eles de pai ___na gravação. E que voltaram todos pra (groisem) de novo.
Resposta:
É.
Pergunta:
Seus pais, em 38, se falava ainda na possibilidade de ter outra guerra, se ouvia essas coisas?
Resposta:
Ah, Priscila, aqui no Brasil, ninguém pensa em guerra ninguém fala. Meu tio não tinha conhecimento da situação política da Alemanha. Como ele tinha um câncer, na, na, no coiso, no rim que tinha operado, os médico deram 2 anos de vida. E, e como tinha encrenca na família, sociedade desfeito, ele falou: ‘Eu vou morrer na Alemanha. Vou rever meus irmãos’. Tinha duas irmãs e um irmão lá, e ai a família toda. Meu tio, (...) irmão da minha mãe, grudou na gente e foi junto. Lá, depois de um ano, rebentou {arrebentou} a guerra, mas ninguém tava {estava} sabendo isso. Nossa família tava {estava} muito desligada de política. E quando nós chegamos lá, e nós voltamos pra {para} Alemanha com navio polonês pago por nós, quer dizer, nós não fomos repatriados não. Nós voltamos, de vontade própria, pagando um navio polonês. No navio até fiquei doente com dois ouvidos inflamados e uma médica polonesa me tratou muito bem, que não ficou seqüelas nenhuma. Na Alemanha, os que tavam {estavam} dirigindo lá, botaram a gente num campo de desin... . Como é que é? Pra {para}Desinfec..
Pergunta:
Desinfectar!
Resposta:
Isso mesmo! [Risos]
Pergunta:
Então o navio que chegava do Brasil ele punham numa quarentena?
Resposta:
Quarentena! Meu tio ficou...
Pergunta:
Furioso.
Resposta:
P {pê} da vida! (...) e nós saímos de lá brigando com todo mundo. Fomos na casa dos parentes e depois tsiiiiiii...
Pergunta:
Ai eles abriram qual, que negócio ele consegui abrir lá?
Resposta:
Uma peixaria na minha cidade. Mas pra {para} abrir a peixaria ele tinha que fazer um concurso. Nós fomos na outra cidade, (Laitsike). Ficamos num hotel lá e ele fazer um curso pra abrir uma peixaria na minha cidade onde eu nasci. Abriu uma peixaria no centro da cidade. (...) Nós fomos morar primeiro com o meus pais da tia nossa, o irmão da minha mãe ficamos um mês, talvez. Depois nos fomos morar num porão, do outro lado da rua um... [15’] Que nem uma fazenda antiga, que tinha {tinham} os quadros bem grande, de, de, de pedras, um porão que salvou a nossa vida mais tarde. De lá nós subimos no primeiro andar. De lá nos fomos pra {para} mais pra {para} traz, mas no mesmo lugar, era uma fazenda de antigos reis da Alemanha que nós alugamos um quarto, um primeiro andar de um inspetor lá daquela fazenda. Era um quarto meu, uma sala, um quarto dos meus pais, uma cozinha grande e um quarto no segundo andar. (...) Nós ficamos grã finos!
Pergunta:
E o seu irmão, com quem ficava?
Resposta:
No jardim da infância, e eu junto. Minha mãe não podia lá deixa {deixar} ele tinha 4 anos a menos do que eu, então pra {para} ele não ficar sozinho ela ficava também. (...) É meu irmão primo [risos] (...) Cala a boca. E ai fomos vivendo mais uns anos. A guerra foi avançando, mas na nossa cidade não houve muito (...), com se diz, bombardeio.
Pergunta:
No início.
Resposta:
No início. Bem, o último foi em 43 e 44 pra {para}45 acabou com a cidade. Agora um...
Pergunta:
O seu pai não foi convocado pra {para} soldado?
Resposta:
Não ele já era mais velho, serviu na primeira guerra mundial. Como ele só tinha um rim, ele foi libertado.
Pergunta:
E ele ficou bom desse câncer?
Resposta:
Ficou. Mudança de clima e sem _____
Pergunta:
______pode tomar. [risos]
Resposta:
Graças a Deus eu tenho bastante azia. Agora um fato que eu lembro, (...) eu ia na escola, meu irmão também já um dia tinha desfile de soldados na rua, nós chegando pouco tempo do Brasil achou bonito e ficamos na janela do primeiro andar nosso andar, né? E sem bandeira lá fora também, de repente bateu na porta, por que que a gente não levantou o braço pra saudar a bandeira.
Pergunta:
E a bandeira é da suástica mesmo?
Resposta:
É. Era na guerra. Meu pai falou assim pro {para o} fulano: ‘ Nós tamos {estamos} chegando pouco tempo do Brasil e nós não sabia’. Eu sei que ele levou uma bronca, ele ficou “P” da vida mas passou. Então o regime era feio lá.
Pergunta:
E ai vocês passaram a fazer a?
Resposta:
Lógico! Na escola, em todo o lugar. Êh! Aqui, quando toca o hino nacional, você não tem levanta? {você não tem que levantar?} Lá é mesma coisa, e ainda (Hi Hitler!). É, (...) ignorância, mas tudo bem.
Pergunta:
E na escola, como era nesse tempo do Hitler?
Resposta:
(...) Na escola, normal!
Pergunta:
Cantar de manhã...
Resposta:
Nada, nada, nada. nada, nada, nada. Que eu não me lembro, eu acho que não. (...) Meu irmão era pequeno já ia ______ outro dia _____ como o regime foi, é, manipulando até as crianças, até mais adultos até mais coisas. (...) Mas em casa eu num {não}... (...)
Pergunta:
O seu pai, o marido da dona Elza, e ela, eles não se metiam em política?
Resposta:
Não!
Pergunta:
Eles obedeciam ao nazismo porque eram obrigados?
Resposta:
Era obrigação. Tudo mundo era obrigado. Esse meu tio teve que entrar no partido...
Pergunta:
Nazista!
Resposta:
Nazista porque o amigo dele falou: ‘Ou você entra ou você tem uma inferno aqui’ [20’].
Pergunta:
E ai eles já tinham a experiência do seu pai que já...
Resposta:
Ou você entra ou você tem um inferno, eles não vão te deixar em paz! Então meu pai entrou, até ele fez umas escritas ajudou umas pessoas que vinham fugindo da Rússia, pra {para} nossa cidade ajudar a encaminhar, escrever umas coisas, mas nada de politicagem. (...) Ah!...
Pergunta:
Isso deu problema?
Resposta:
Depois da Alemanha, depois que perdeu a guerra?
Pergunta:
Não, não depois ________
Resposta:
Deu, deu, deu! Porque falaram que ele era nazista que ele tinha entrado lá. Era obrigado, ele tinha um negócio no centro da cidade, se algum dia você num {não} dança como o regime demanda, tua vida vira um inferno, então... Mas não era nada de politicagem coisa tal. A turma me pergunta: ‘Você nunca viu o Hitler?’ eu falei: ‘Eu não’.
Pergunta:
Você nunca foi na praça ver o... [risos]
Resposta:
Não. [risos]
Pergunta:
O Discurso.
Resposta:
Não! Não! Porque a gente tinha um negócio no centro da cidade e morava longe e escola de manhã e de tarde...
Pergunta:
E depois, o Hitler é ficava em Berlim, ele viajava muito pelas outras cidades?
Resposta:
Não, eu acho que não, porque nisso aí a gente não, a gente só escutava dos bombardeios chegando mais perto da nossa cidade. Eu tinha uma irmã da minha avó que morava em Hamburgo. Um dia ela chegou_________ depois de um bombardeio em Hamburgo que é Hamburgo foi a água abaixo queimou toda ele chegou na minha cidade com marido já era gente de idade e meu pai arrumou um quarto para eles (pigarreou) para eles descansar daquele inferno lá. E ela falaro (falaram) de gente queimada, ficava no asfalto presa queimando essas coisas toda. Eu tinha 14 anos ou 13, 13! Mil novecentos e quarenta e três, eu só escutava mas eu nunca imaginei um inferno desses, isso depois a minha cidade aconteceu pior ainda.
Pergunta:
Como foi? Lembro que quando a gente era mais nova você contava pra nós dos bombardeios.
Resposta:
Horrível!!! Pode, pode de noite eu sonho. Soltando bombas depois.
Pergunta:
Você ainda sonha?
Resposta:
Se eu contar muito e coisa e tal eu sonho, filme de guerra eu não assisto, porque a minha cidade pegou um bombardeio entre 13, 14 e 15 de fevereiro de 1945 quase no fim da guerra que acabou com a cidade. A cidade tava (estava) cheio de restos de aliados da Rússia da parte de lá onde os russos iam chegando a turma se mandava a cidade tinha 650 mil pessoas fixas e 350 mil refugiados. Em duas noites morreram 350 mil, não 35 mil como a turma fala por aqui! Trezentos e cinqüenta mil! Esmagado, queimado! Os avião desciam com metralhadores para matar o resto que tava (estava) fugindo da cidade. A cidade ficou num fogaréu, em volta da cidade os aviões jogaram bombas de _________ e mais algumas coisas para ninguém entrar nem sair, queimou tudo mundo.
Pergunta:
E como vocês se esconderam?
Resposta:
Nós ficamos naquele porão antigo, como era uma parte não do centro da cidade pro lado direito muito cheio de casas, o nosso lado era mais espaço, mais campo mais perto do rio mais lugares então não foi tão afetado. Minha casa chacoalhou, ficou toda mole, tinha uma bomba que ia explodir a qualquer momento na entrada da porta mais naquela época naquelas instancias ninguém ligava pulava por cima e salvava o que podia salvar da casa e aquela noite nós ficamos naquele porão com 41 pessoas, refugiados, trabalhadores, estrangeiros e tudo e tudo mundo rezando. [25] Se você nunca rezou na tua vida numa noite dessa você aprende... Rezar. Se não você pira. Lá por meia noite, uma hora a gente saiu e falou: “Bom acabou!” Ficamos uma hora, a cidade toda em chama e daqui um pouco começou tudo de novo. Da uma até as três mais ou menos queimaram, destruíram o resto. Neste intervalo meu tio veio de fora, ele estava numa cidade, num bairro mais longe e veio ver se a gente tava (estava) viva. Era muito coragem, ele era meio coisa tal, mas naquela hora ele mostrou muita coragem de vim pra cidade e vê se a gente tava vivo.
Pergunta:
Aquele seu tio (Cristofe)?
Resposta:
Não. Era o cunhado dele, chamava (Baltar). Ele levou meu primo pra casa dele, o filho do meus tios para casa dele.
Pergunta:
Seu irmão?
Resposta:
Meu irmão. E quando ele saiu veio outro alarme e outro aviões bombardeando. Minha mãe, minha tia, ficou quase louca que o filho não tava mais perto da gente. Mas não adiantava andar, que as bombas caiam uma em cima da outra. Eu tinha 15 anos né quando chegou o bombardeio eu não queria sair do porão. Tinha bastante mangueiras lá e eu deitei em cima da mangueira e minhas tripas queriam sair pela “guela”!! Simplesmente queriam sair pela “guela”!!! E eu, meu tio falava: ‘Vamo, {vamos} levanta, vamo!’ Falei: ‘Não vou! Não vou!’ ‘Vamo!’ ‘Não Vou!’. Eu queria morrer lá, o nervoso, tudo. Ai falou: ‘Nossa casa ta {está} pegando fogo’. Falei: ‘Deixa pega’ (...) Depois de muito custo eu levantei [risos]. E a gente foi ver a nossa casa, não tava pegando fogo não! Só ai a gente saiu, com quase nada na mão, fora da cidade, deixamos tudo como tava {estava} lá. Fomos, na casa do meu tio, pra {para} ver se lá tava tudo bem. E tava tudo bem. Mas antes desse bombardeio, depois daquele veio mais, mas antes desse já vieram duas ou três. O primeiro soltou sete bombas atrás da nossa casa. E a gente entrou no porão da nossa casa que era pequena não dava muita proteção. Eu quando escutei sete bombas eu tive uma reviravolta no meu barriga que eu subi os degraus pra cima pra ir no banheiro, que o banheiro de antigamente era de madeira e um buraco e olhe lá! Nada de descarga, nada de, casa tinha 350 anos.Minha mãe falou: ‘ Fica aqui!’. Falei: ‘Não fico!’ (...) Olha, isso são coisas que não desejo pa {para} ninguém. Para ninguém. Pra {para} mim não importava se vinha mais bomba ou menos bomba, eu queria é meu banheira, e cabou {acabou}, Quinze anos, magina {imagina}!(...) Que mais? Eu sei que nós saímos das nossas...
Pergunta:
Quem bombardeou (Brasdem), foram os americanos?
Resposta:
Americanos e inglês! O russo não tem nada a ver com isso. Só os americanos e o, não posso falar né?
Pergunta:
Pode!
Resposta:
Que se dane! Os dois! Os ingleses, os americanos e os russos idem! Eu quero que se danem! Não vou falar outra coisa, é feio!
Pergunta:
O Martha, depois que acabou a guerra, com a tomada dos russos, que você também contava
Resposta:
Ai, cabou! {acabou} quando nós perdemos tudo na nossa cidade. Minha mãe tinha alugado um quatro fora da cidade e nós ficamos 15 dias lá, aí, meu pai (...) [30’] senhor (Cristofem) começou a vomitar e [shiit] (...) ele levou um baque tão grande que ele não conseguia levantar da cama.
Pergunta:
Deixa eu só perguntar. Perdeu a peixaria, perdeu tudo. Não tinha do que viver, trabalho, não tinha mais nada.
Resposta:
Nada, nada. A cidade inteira tava {estava} no “chuuu”, um queimado
Pergunta:
As pessoas não tinham condição
Resposta:
Nada, minha mãe é da e eu nos voltamos, nós ficamos 15 dias, mais ou menos naquele quarto que minha mãe tinha alugado. Meu tio, o Valter, ajudou a gente a tirar os colchão da nossa casa para a gente dormir lá, e depois minha mãe e eu voltamos para a cidade depois de quinze dias. A cidade ficou queimando 15 dias, mas voltamos, pra tirar algumas coisas, eu tinha uma avó e um avô vivo, também a gente levou lembranças pra {para} eles que sobrou da casa. A casa inteira não pegou fogo, mas ficou muito chacoalhando e meu tio, o Valter, tirou depois o resto de móveis, o coisa lá que sobrou. Da peixaria não sobrou “(niente)”, nada. A, minha mãe e eu, de noite passava pela cidades, cheios de mortos na rua que ninguém conseguia enterrar, porque era impossível ele fizeram um fogaréu com trilhos no, na praça principal, botaram linhas de, de coisa, depois fizeram filas de gente morto lá. E gasolina, o cal e coisa tal. Isso queimou muito, muito tempo! Tinha um monte de gente morto, saía uma bacia pequena de ossos de cinzas depois isso ninguém conseguia nem identificar porque depois de dois dias o defunto fede. Na Alemanha se você roubar um defunto qualquer coisa você é fuzilado na hora. Então os defuntos ficavam ninguém, e tinha muito trabalhadores russos, poloneses, presos que tinham de fazer esse serviço, tinha que ajuntar os mortos e levá. Primeiro eles começaram bem longe das cidades fazê {fazer} umas valas para enterrá {enterrar} as pessoas, isso também não dava certo porque não tinha gasolina, não tinha carro era com carro de boi de cavalo não é possível 350 mil pessoas, que tavam... Os porões eles queimaram com lança chamas os ratos saíam enormes de lá. Lança chamas é um fedo terrível de carne queimada, era um inferno em cima da terra, eu não gosto de lembrar muito porque não adianta eu não vou modificar nada, mais muita gente não tinha nada de ver com guerra e largou a vida como até hoje fazem. Nós saímos de lá e fomos na casa da uma irmã de meu pai que morava no meio da Alemanha,lá nós esperamos o fim da guerra que veio em maio, 8 de maio. Mas antes disso os americanos ainda lançaram umas granadas lá que mataram uma menina, uma moça e depois os, um certo tempo chegou os russos e nós ficamos mais um pouquinho de tempo lá e nós se mandamos pros lados dos ingleses porque a casa do meu tio, a fazenda pequena deles eram bem na fronteira onde encontrava os ingleses,os russos e os americanos bem no, naquela coisa lá. Eu ajudei muita gente travessar {atravessar} as fronteiras as coisa tal. A gente tava sem dinheiro, sem roupa, sem nada, mas a gente sobreviveu, meu pai tinha conhecimento de lá e sempre há algum, uma pessoa ajudando a gente é. É e a gente tratou logo de voltar pro Brasil, [risos] levamos 3 anos pra fazer papelada tudo. Meu irmão,[35’]primo, João (Cristofe _________) tinha nascida, nascido na hospital Santa Catarina em São Paulo, só que naquela época os meus pais ninguém não registrava ninguém. Foi tudo assim, só que ele tinha papel de batizado, e sobre este papel de batizado nós fomos repatriados da Alemanha para Brasil. Minha avó que já tinha falecido em 1935 aqui, que veio em 1928 pra {para} cá, falou que nunca mais ia sair daqui, que aqui era bom, era sol, era tranqüilo, tudo gostoso e meu pai voltamos pra {para} cá depois de andar 3 anos que nem ciganos na Alemanha.
Pergunta:
Ah é? Por onde vocês andaram?[36’]
Resposta:
Onde?
Pergunta:
Nesses 3 anos não teve trabalho?
Resposta:
Não.
Pergunta:
Não teve propriedade vocês passaram muita fome Martha?
Resposta:
Eu pai e minha mãe e meu irmão e eu, nós, eu tenho uma fotografia, nós tava {estávamos} seco! Magro! Mas eu trabalhei nos camponeses, e meu pai, nós vendia o que sobrou de valor, a gente tem que se virar. Se você hoje ta {está} sem dinheiro você vende sua blusa, certo? (...) Eu vendi meu casaco, meu pai também, tinha uma máquina de fotográfica, vendemos tudo, tudo ai fomos. Da casa da minha tia, nós voltamos, saímos porque era parte dos russos, a fronteira era logo ali. Nós ficamos numa aldeia de lado, num quarto. Ai, a gente ajudava o camponês fazer a colheita, coisa e tal, e eu ajudava os pessoas transportar pela fronteira e sempre sobrava um dinheiro. A gente pegava gente que vinha da fronteira, com carrinho, a gente levava na primeira estação de trem, sempre sobrava um trocado. E a gente foi sobrevivendo, depois nós chegamos no sul da Alemanha. Em um, uma cidade, outra cidade, outra cidade até que nós chegamos num campo que tava tudo junto. Era um lugar de loucos que antigamente tinha umas salas enormes com vinte banheiras, que era uma beleza, e o governo da, da, os que mandavam na Alemanha, era os francês, ingleses, russos e americanos, alimentavam a gente com uma sopa de manhã, sopa de ______ . Isso foi quase no fim, (...) Daí, a gente, meu pai, nesse intervalo meu tio foi atrás da papelada para voltar para o Brasil. Como eu tinha outro nome e não era filho, filha dele, o governo brasileiro lá, os polit, os generais lá tinham um papel lá em Berlim, falaram que eu tinha que ficar na Alemanha.
Pergunta:
Era o governo alemão que não deixava?
Resposta:
Não!não, não, não, não. Brasileiro. Que não queria eu, junto coma família. Ai meu pai falou: ‘Tudo bem, ela fica? Nós fica! E o brasileiro fica de fome também aqui, que é meu filho é brasileiro ele vai morrer de fome aqui, junto com a gente. A menina eu não deixo, que a mãe dela faleceu no Brasil e a mãe dela falou pra mim para eu cuidar da menina’ [barulho de estalar os dedos] Falaram: ‘Então ela vai junto!’ (...)
Pergunta:
O Martha, a sua mãe estava enterrada aonde aqui, em Santo André?
Resposta:
São Bernardo do Campo. Lá ta a minha vó {avó}, (...) duas filha dela e meu tio, um genro.
Pergunta:
E é longe né? Porque naquela época São Bernardo pra {para} vocês aqui era longe né?
Resposta:
Não, nós morava {morávamos} na Baeta Neves.
Pergunta:
Ah, pensei que vocês morassem aqui.
Resposta:
Nós criança ia a pé no cemitério e lá tinha um porão cheio de ossos, naquela época [risos].
Pergunta:
E a, assim, a parte da tomada das cidades pelos russos que você contava que os russos, também [40’] entravam judiavam das pessoas. Você contava pra {para} mim.
Resposta:
Na minha cidade nós caímos fora antes. Eles...
Pergunta:
Cês {vocês} só ouviram falar?
Resposta:
Quem entrou primeiro lá na aldeia, foi os americanos. E minha mãe mostrou o modelo 19 [documento de identidade brasileiro para os estrangeiros] para os americanos e tudo bem. Depois os americanos saíram e entro os russos, mas já sem guerra e o modelo 19 de minha mãe foi rasgado. Russo é (...)
Pergunta:
Pode falar.
Resposta:
Não! (...)
Pergunta:
Mas por que sua mãe tinha modelo 19? Não é de estrangeiro?
Resposta:
Ela morava aqui!
Pergunta:
Ah, ela mostrou o modelo 19 daqui, não da Alemanha. Como se ela fosse
Resposta:
Brasileira.
Pergunta:
Ah!
Resposta:
Pra tapiar {tapear}, e os americanos ela tapiou {tapeou}, eles nem revistaram a casa, também não tinha nada pra revistar na fazenda. (...)
Pergunta:
Mas os russos ai ela não tinha mais a. E ai eles faziam mal para os alemães, assim judiavam dos alemães, pra se vingar?
Resposta:
Isso você já deve ter escutado né? Ai foi muita e por isso a gente se mandou.
Pergunta:
Só vocês quatro ou vieram mais parentes?
Resposta:
Só nós 4. Mais tarde veio o resto que junto com nós pra {para} Alemanha [risos].
Pergunta:
E vocês pagaram a passagem?
Resposta:
De lá pra {para} cá? Não!
Pergunta:
Em 1948?
Resposta:
Ai, eu, o governo brasileiro repatriou a gente, devido meu irmão sendo brasileiro e meus tios casaram, não no consulado, casaram na praça da sé. Com pessoas da rua de testemunha então não era, é, _______________ como família brasileira, porque se você casa no consulado, registra teu filho no consulado, é uma coisa, mas meus pais trabalhavam muito e nada
Pergunta:
Nada de fazer essa parte de papel.
Resposta:
Meu tio queria me adotar na Alemanha, ai eu vim junto para o Brasil. Se ele me tivesse adotado eu não ia ganhar a...
Pergunta:
A pensão que você ganha hoje do consulado.
Resposta:
A pensão que eu ganho hoje do consulado, porque eu tinha trocado de nome, devido os nazistas mataram meu pai eles me pagam uma porção, uma pensão.
Pergunta:
Ah, isso veio depois do final do regime nazista, a Alemanha paga uma indenização _______
Resposta:
É, pagou. Eu tinha cinqüenta e poucos anos que minha mãe foi atrás daquele lá e... (...) Eu merecia né? Que mais?
Pergunta:
Então ai conta, vamos agora falar das coisas boas assim. Vamos falar de natal, das festas alemãs, das comidas que vocês, na época que você era pequena que tinha as coisas, lógico.
Resposta:
(...) Na Alemanha?
Pergunta:
É.
Resposta:
(...)
Pergunta:
Quando você era bem pequenininha, a família ainda vivia bem, como é que eram as festas?
Respostas:
As festas, a gente não tinha amizades quase com ninguém porque meus pais trabalhavam na peixaria em tinha serviço em casa também. Natal na Alemanha é o seguinte: noite de natal é só família. Arvore de natal, um panetone, uma comida não muito cheio de fricotes porque e, de vez em quando, ia na missa do galo. De vez em quando, não me lembro muito bem. Era meio longe e tudo mundo tava {estava} cansado. [risos]
Pergunta:
Qual era a religião da sua família, Cristã ou protestante?
Resposta:
Católico apostólico só. Depois da guerra meu pai ficou meio decepcionado. Ele foi uma vez falar com um bispo pra arranjar um... Comida, pra {para} sair do sufoco. O bispo era gordo e não fala nada, fazia de conta que meu pai não existia! E meu pai, meu tio era católico no meio da Alemanha. Daí pra frente o negócio mudou um pouco [barulho de limpar a garganta] não é? [45’]
Pergunta:
E aquelas bolachinhas que você fazia no natal? Você comia na sua infância lá?
Resposta:
Não! Na Alemanha, época de guerra, no começo tinha mais ou menos as coisas, mas depois não tinha mais nada. Os anos de guerra foram muito estressante, muito sem... As bolachas da Alemanha eu comecei a fazer aqui no Brasil, comprando livros que vinham da Alemanha, coisa tal, porque minha tia que me adotou, não era (...) muito a fim de cozinhar, de fazer. Isso era bem minha mãe verdadeira que gostava de cozinhar e a gente herda umas coisas. E eu comecei fazer essas coisas, bolachas, panetones e coisa e tal, que foi (...). Mas não é bem que foi minha mãe que ensinou, foi eu que queria. A gente herda certa coisas dos pais. Meu verdadeiro pai gostava de poesias, eu adoro! Trabalhava em madeira, eu não trabalho em madeira nem gosto dessas coisinhas. A minha mãe que me criou, costurava, ela fazia um vestido da mãe dela um vestido pra mim em 1945 na Alemanha, e este vestido eu salvei porque na hora de bombardeio eu tava {estava} experimentando ele. (...) Na Alemanha minha mãe cozinhava assim, uma, no domingo um budim (pudim) uma torta um molho, um pedaço de peixe uma coisa bem simples.
Pergunta:
Comia muita batata?
Resposta:
Só, e até hoje ninguém traz batata cozida aqui. Só macarão {macarrão}! Só maçarão! “Macarone”, mas eu não sei italiano.
Pergunta:
Mas você não tem vontade de comer batata ou enjoou?
Resposta:
Não eu tenho vontade porque eu não cozinho, não como, ninguém me faz.
Pergunta:
Ah, então eu vou te trazer uma receita ________
Resposta:
Cozida! Cozida!
Pergunta:
Pronta pra {para} comer
Resposta:
Isso mesmo! Sobrou. Que mais?
Pergunta:
Então, ai aqui, ai, aqui no Brasil, assim, vocês vieram direto pra {para} Santo André a segunda vez?
Resposta:
Meu tio, o irmão da minha mãe, que era o velho Clein, um gordão, foi buscar a gente no Rio que nós desembarcamos na Ilha das flores.
Pergunta:
Ficaram lá de quarentena também?
Resposta:
Não. Aqui a gente foi recebido muito bem. Porque a maior parte era alemã e outras raças, mas Brasil é um país que recebe tudo mundo bem, mas é o único acho que na terra, eu acho que é único porque aqui tudo mundo tem vez, tudo é bem recebido e tudo mundo faz o que quer! Até demais, não pode, tem de andar direito. Eu tenho um meu primo irmão que é anestesista. Ele tem três filhos. Um psiquiatra casado com uma psiquiatra, tem dois filhos um ta na Alemanha que faz pesquisas de reimplantes e coisa tal ele vai da Alemanha pra França, pra Itália vai agora para África do Sul e tenho uma sobrinha, química, que ta na América do Norte , casada, tem um filho,esse da Alemanha tem dois nascido na Alemanha. Aí meu sobrinho outro dia falou: “Depois de 79 anos, o primeiro da família que nasceu na Alemanha de novo!” Filho dele, na Alemanha. A minha sobrinha tem uma posição bem alta numa fábrica lá em Detroit, marido muito inteligente, fala seis línguas na família legal. Aqui no Brasil ultimamente, não (...) [surrando] melhor calar boca
Pergunta:
[risos] Então, vamos voltar para Santo André antigo vai.
Resposta:
Santo André antigo! Quando voltamos da Alemanha, em 48, nós fomos morar com meu tio, [50’] mas por pouco tempo porque já deu encrenca na família de novo.
Pergunta:
Onde era?
Resposta:
Na Vila Gilda. Aí nós fomos morar na Vila Bastos e aí eu fui trabalhar em São Paulo, na vila bastos
Pergunta:
Lá era chácara também?
Resposta:
Era.
Pergunta:
Você lembra das chácaras?
Resposta:
Não, só tinha uns pilastras ai do outro lado da ai, Edu Chaves lá em cima que [pigarreou] ________________________________. Meu pai começou vender lingüiça de novo, na rua (...)
Pergunta:
Por que lingüiça?
Resposta:
Lingüiça, mortadela, queijo, tudo.
Pergunta:
Por que ele vendia esse tipo de?
Resposta:
Porque, o meu tio tinha um frigorífico. Então ele começou a vender as coisas dele. E depois da encrenca ele começou dos outros frigoríficos vender as coisas. Vendedor! Ai depois de um certo tempo ele abriu um depósito fechado, que virou mais tarde um bar e um restaurante. Caiu uma coisa?
Pergunta:
Hum, hum.
Resposta:
E, eu, quando nós voltamos da Alemanha, minha mãe me pôs num salão em São Paulo, que ela conhecia a fulana de antigamente, que tinha vinte repartições, dez em cada lado, que aquela época de 1920 até 30, dava muito dinheiro, mas naquela época em 48 já tava meio, era Rua Pamplona. Agora, lá eu trabalhei acho que trabalhei foi aprendendo, a primeira coisa que fizeram lá cheirar um liquido que me deixou sem fôlego.
Pergunta:
O que era?
Resposta:
Que punha na, na, nas águas de lavar o cabelo antigamente. Era um liquido, eu não lembro do nome, eu fiquei sem fôlego e eles se quase mataram de rir.
Pergunta:
E você ia como daqui para São Paulo?
Resposta:
De trem. O trem naquela época era quase folgado, banco de madeira. (...) Em 1948, 49, 50. De lá eu fui trabalhar na praça da republica, numa casa de cabelereiro de um alemão, no primeiro andar, que o numero eu não me lembro. E depois eu fui trabalhar, antes ou depois, ai na argentina, na Rua Cesário Mota perto do Carlos Gomes {colégio} de cabeleireira. Depois meu pai abriu aquele bar lá, eu fiquei lá 25 anos.
Pergunta:
Onde foi, onde era o bar?
Resposta:
Em frente da Chrysler, na Avenida Pedro Américo, 68. (...) Em frente da fábrica onde tem o Carrefour.
Pergunta:
Aqui?
Resposta:
Aqui.
Pergunta:
Aqui na Homero Thom?
Resposta:
Isso, para cá.
Pergunta:
Ai começaram a morar para cá, então?
Resposta:
Meu pai foi aumentando quando tava tudo muito bem, a prefeitura DISA PRO PRI OU {desapropriou}. (...) Foi...
Pergunta:
Para passar avenida?
Resposta:
Para passar avenida, foi um baque de meses meu tio faleceu.
Pergunta:
Mas isso, 25 anos depois dele ter aberto o bar ou não?
Resposta:
É!
Pergunta:
Vocês ficaram sozinhas tocando o bar, vocês...
Resposta:
Não, não. Minha mãe e eu, eles já tinham desapropriado. Ele morreu depois da desapropriação.
Pergunta:
Ele morreu com quantos anos?
Resposta:
Setenta e seis anos.
Pergunta:
Mais ou menos em que ano? Você lembra?
Resposta:
(...) Eu nasci, eu vim pra cá já faz 30 anos. Setenta e seis uma coisa assim. Ele morreu com setenta e seis anos, gente. É por ai, 1978, menos um a coisa assim, eu não marco.
Pergunta:
Para cá, você diz para essa casa, faz 30 anos
Resposta:
Para esta casa ele não veio, veio só minha mãe e eu;
Pergunta:
E o seu irmão, já tinha estudado? Já tinha _________?
Resposta:
Já! Ele tinha casado, já tinha filhos.
Pergunta:
Como é que ela conse... Vocês duas, né? Conseguiram fazer estudar até se formar médico? Não era fácil!
Resposta:
Ele já era médico! Já era.
Pergunta:
Como é que o pai e mãe conseguiram? Que não era fácil formar um filho médico?
Resposta:
Não.
Pergunta:
Como é que foi ganhar a vida para isso?
Resposta:
Vendendo lingüiça, vendendo pinga, fazendo comida. (...) Não era muito fácil.
Pergunta:
No bar, como é que era? Você trabalhava lá no bar.
Resposta:
Vinte e cinco anos.
Pergunta:
Você era moça né? Mocinha né?
Resposta:
É. Boa idéia. Eu não quero lembrar!
Pergunta:
Então está bom! {risos} Era muito ruim?
Resposta:
Muitos [55’] estressante, sem folga, sem nada, sem muito estressante.
Pergunta:
Você cozinhava?
Resposta: